PROJETO SONOSCOPIA – GUIMARÃES JAZZ
BREVE INTRODUÇÃO
A década de 1960 é hoje considerada historicamente uma época revolucionária cujos impactos sísmicos continuam a fazer-se sentir em inúmeras dimensões da sociedade. Na música, e na arte em geral, as consequências dos movimentos disruptivos desencadeados por uma miríade de artistas interessados em inaugurar novos paradigmas de atuação criativa geraram, entre outros efeitos de longo alcance, a diluição das fronteiras entre géneros musicais e um enfoque particular na inovação e na invenção de novos idiomas. O free jazz desempenhou, como sabemos, um papel fundamental neste processo de redefinição da linguagem musical, libertando-a do espartilho de convenções consideradas obsolescentes. Ao promover a improvisação pura e a criação artística em tempo real, os músicos que protagonizaram este movimento abriram um campo musical autónomo em que a interpretação do cânone foi substituída pela experimentação e por uma progressiva aproximação ao conceptualismo emergente no território das artes plásticas. A parceria iniciada há cinco anos entre o Guimarães Jazz e o coletivo portuense Sonoscopia tem como objetivo refletir esta interpenetração de práticas musicais e mostrar ao público propostas musicais que, sendo tangenciais ao fenómeno puramente jazzístico, se encontram umbilicalmente ligadas a este estilo pela forma como absorvem e modulam a matriz disruptiva das suas expressões marcadamente não-idiomáticas. Em 2022, esta parceria proporá ao público o duo entre o australiano Will Guthrie e o português David Maranha, um projeto que, não sendo inédito, constitui um novo degrau de aprofundamento da relação colaborativa entre dois músicos relevantes do circuito da música improvisada europeia.
Will Guthrie, radicado em França, é um baterista e percussionista com uma abordagem heterodoxa e multifacetada ao seu instrumento, o qual explora recorrendo a técnicas expansivas de amplificação e composição eletroacústica. Com uma discografia impressiva de mais de cinquenta álbuns a solo ou em regime colaborativo, Guthrie lidera o ensemble de percussão e gamelão NIST-NAH e colabora regularmente com figuras influentes do circuito da música improvisada e experimental, tais como Anthony Pateras, Jean-Luc Guionnet ou Ava Mendoza, entre muitos outros.
David Maranha é um músico proeminente da cena musical lisboeta fruto de um percurso de mais trinta anos em trânsito constante entre territórios musicais. Conhecido sobretudo pela banda de rock experimental e psicadélico Osso Exótico, uma banda marcante da música de tendência vanguardista praticada em Portugal na década de 1990, Maranha colaborou ao longo do tempo com músicos importantes da improvisação norte-americana e europeia, sendo atualmente considerado pela crítica musical como uma das figuras mais influentes do jazz exploratório português.
No contexto deste duo, do qual já resultou uma gravação discográfica, Will Guthrie e David Maranha procuram desafiar categorizações através da harmonização de diferentes tipologias musicais (drone music, psicadelismo, krautrock e, claro, jazz) numa linguagem comum. Usando a improvisação não como fim em si mesmo mas como metodologia de base, os dois músicos encaram o som como uma busca constante por um estado de fluxo, e essa será talvez a grande qualidade distintiva de um projeto cuja intenção principal é a exploração especulativa de novas vias criativas e idiomáticas no contexto de absoluta e definitiva fragmentação musical.
FICHA ARTÍSTICA
David Maranha órgão
Will Guthrie bateria